sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Marx contra os foras de série

Karl Marx, em a ideologia alemã, confrontou os argumentos metafísicos de Hegel e Feuerbach sobre a ideologia, disse que cabe ao homem o lugar de autor da história, a história só existe como construção humana. Mas, os homens só podem transformar a sua história até certo limite. E esse limite não é dado por condições sobrenaturais, nem pelo debate puro e simples das idéias, mas pelas condições materiais existentes e pela ação que os homens empreendam sobre estas. Essas serão as condições que definirão o grau de modificação de poderá ser imposta pelos indivíduos.
Você pode dizer, e com toda razão, que Marx disse o óbvio, mas é justamente aí que reside a sua genialidade. É interessante notar, como diversas vezes é muito difícil perceber as implicações de uma constatação óbvia.
Steve Jobs morreu recentemente, e foi imediatamente venerado por sua genialidade, bem como por sua capacidade de implementar verdadeiras revoluções tecnológicas. Projetar e construir grandes maravilhas capazes de transformar a vida moderna, causando grande impacto no mundo.
Ipods, Imacs, Iphones e Tablets, como poderíamos viver sem eles? Tudo muito essencial. Mesmo que eu nunca tenha colocado as mãos em um equipamento da Aplle, até hoje. Em nossa sociedade há um grande culto aos homens de empreendimento, pessoas que com o seu enorme talento e expertises natos imprimem os rumos das transformações do mundo. Só nos esquecemos de avaliar o que vem antes deles, deveríamos lembrar do óbvio.
Deveríamos levar em consideração as condições pré-existentes, como disse Marx. Sir Issac Newton era louco, perseguiu e difamou o seu colega matemático e filósofo Godwild Leibnitz mesmo após a morte deste, exigindo ser reconhecido como único inventor do cálculo diferencial (campo avançado da matemática). Porém, em um instante de fina lucidez, reconheceu que para descobrir a lei da Gravitação Universal, havia se servido de incontáveis contribuições e de diversos cientistas, a exemplo de Galileu Galilei e Nicolau Copérnico, “enxerguei longe porque estava sobre os ombros de gigantes”, disse ao final.
Há um livro dedicado ao estudo do óbvio, esse livro é consagrado aos foras de série, aos transformadores. Chama-se “Fora de série, o que está por trás das pessoas de sucesso” [1], e desvenda as causas prováveis que possibilitaram aos desbravadores a condição de transformar a sua geração. Não raro, isso se deveu as oportunidades e privilégios de acesso a informações e experiências não acessíveis as pessoas comuns, suas condições pré-existentes, Marx de novo.
Ao iniciar o livro, o autor faz alusão a um tal de efeito Mateus. No livro de Mateus, capítulo 25 e versículo 29, está dito: “Porque a todo aquele que tem será dado e terá em abundância; mas daquele que não tem, até o que tem será tirado”. E é verdade, está escrito. O autor pesquisa estatísticas de jogadores profissionais do mundo do hóquei, listas dos magnatas mais bem sucedidos dos Estados Unidos e até a biografia da banda de Rock, Os Beatles.
Dessa análise, chega-se a conclusão que, mesmo com o excepcional talento que se possa atribuir a cada um desses personagens, a soma da possibilidade de treinamento, para que se consiga um nível de domínio da arte em nível de excelência, uso de ferramentas adequadas a realização de cada tarefa e um senso de oportunidade que permita ao indivíduo o grau de aderência entre suas aptidões e o que o público ou os seus clientes esperam obter, compõem, efetivamente, o resultado do sucesso. Sem a junção desses fatores, o talento não chegaria nem a se desenvolver, assim são os talentos perdidos que todos conhecemos mundo à fora. Na verdade, um gênio de extrema grandeza pode até mesmo atrapalhar a realização do seu sucesso.
Como um bom exemplo desses talentos desperdiçados por falta de oportunidade ou de compreensão, lembro agora de dois grandes matemáticos, Niels Henrik Abel, norueguês, e o francês, Évariste Galois. Abel desde cedo se revelou um prodígio em matemática, mas acabou morrendo de turbeculose e na pobreza com a idade de 27 anos. Entre os contemporâneos de Abel, houve um profundo desinteresse em reconhecer a sua obra, poucos mesmos eram capazes de julgar a sua matemática, simplesmente sua produção era avançada demais para alguns círculos intelectuais, tão à frente estava a capacidade de seu gênio. Depois, foi assim descrito por Charles Hermite [2], outro grande matemático, “Abel deixou o suficiente para manter os matemáticos ocupados durante quinhentos anos”. Simplesmente incrível.
Évariste Galois viveu intensamente a atividade política do seu tempo, as reverberações da revolução francesa, chegou mesmo a ser preso. Mas também era um gênio da matemática, mesmo se dedicando a ela como atividade secundária, tamanho era o gênio do francês. Com a idade de 16 anos, Galois já submeteu um grande trabalho de matemática a Universidade, porém, esse foi sucessivamente esquecido e perdido antes que pudesse defender a sua obra. Galois morreu logo 3 anos depois, envolvido em um duelo de sangue, sem que visse seu trabalho reconhecido.
Viver significa realizar um trabalho de adequação entre o nosso eu mais pessoal e a cultura. Os valores culturais servirão como as referencias que irão determinar para onde os esforços individuais de adequação irão se direcionar.
Cada sociedade constrói os padrões e valores aceitos na sua organização interna, esses valores determinarão quais os indivíduos serão melhor sucedidos. Essas referências são mutáveis com a passagem do tempo, sendo que em cada época serão reconhecidas por seus padrões e modelos característicos. Nesse contexto, surgem os “fora de série”, aqueles que tiveram a prevalência das características valorizadas por sua sociedade.
Marx desprezava o gênio individual, mesmo ele tendo sido um. Preferia acreditar nas potencialidades e no poder de transformação das massas organizadas. Toda a sua filosofia foi devotada a isso. Entendia que o futuro deveria ser escrito pelas forças coletivas, essas forças construiriam o futuro, o novo mundo. Seriam os marcos reguladores de uma nova cultura. Construções ideológicas, como as de Hegel, que dizem que é no debate intelectual que se constrói e se define a realidade, só serviriam para alienar as massas e mantê-las o poder da dominação. A realidade é essencialmente material, é na ação política onde se constrói a sociedade.
Hoje a filosofia está bem mais rasteira. Na verdade, ela foi substituída mesmo pela abordagem do marketing, o que se aplica hoje são os veículos de comunicação para formar a mentalidade coletiva. É essa propaganda que eleva figuras como Steve Jobs à categoria de mitos e líderes carismáticos, de transformadores do mundo. Na verdade eles não transformaram o mundo, o oposto disso, só contribuíram para que ele se mantivesse o mesmo.





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[1] Outliers – Fora de série. 2008.
[2] Charles Hermite – In: O último teorema de Fermat. 1998.

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A felicidade não faz sentido

Calma que esse texto não é bem o que o título sugere (na verdade, em certo sentido, ele pode ser até pior), o título está colocado como uma espécie de propaganda agressiva. Bem, existe um “vlogueiro” bastante conhecido chamado Felipe Neto, ele sempre posta uns vídeos na internet fazendo alguma crítica, geralmente ao comportamento dos jovens e das ditas “tribos” juvenis, essas críticas sempre começam com o título de “Não faz sentido”.
Aí achei que poderia utilizar desse tema para também falar sobre alguns comportamentos que com o tempo a gente passa a notar nas pessoas, e que são característicos pela reprodução de alguns padrões. Ok, que padrões seriam esses? Bom, quando a gente começa observar como as pessoas vivem e reagem em diversas situações, corriqueiras ou excepcionais, podemos inferir alguns comportamentos padrões.
Hoje em dia, existe uma grande apologia da mídia que pressiona as pessoas a construírem em volta de si um mundo de fantasia, um clima de artificialidade é construído. Um exemplo disso é o sentimento artificial de felicidade. A criação desse clima envolve as pessoas em uma atmosfera de felicidade fabricada, sem substância. O grande poeta Carlos Drummond de Andrade disse que “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”, eu até concordo que a felicidade pode não ter motivos, mas que ela tem que ter causa, ah tem.
O problema é que hoje isso parece não ser mais necessário, se desconhece a causa que mantém as pessoas com esse sentimento de constante ânsia, de necessidade de demonstrar que estão felizes, que as levam a “inventar” motivos que justifiquem um sentimento de felicidade que na realidade inexiste. Os status das redes sociais testificam isso, geralmente estão repletos de declarações de felicidade fingida e os perfis com fotos com rostos de alegria fabricada. As pessoas tiram milhares de fotos de “coraçõezinhos feitos com as mãos”, esses se proliferam na internet feito peste. Também posam para fotos no espelho com sorrisos amarelos forçados, sempre com a mesma pose, ou então sem camisa para mostrar que são fortes e não têm um único neurônio.
Quem afirma que está feliz hoje, parece estar destinado a ser o deprimido de amanhã. Isso acontece, necessariamente, porque não se trata de um verdadeiro sentimento de felicidade. As pessoas oscilam entre a euforia de um dia de sol e palidez de um final de semana chuvoso. Não raro se verifica que os “nicks” que ontem estampavam frases como, “mais um dia feliz”, “pense positivo, Jesus te ama”, “o mundo é bom”, etc. Hoje escrevem, “triste aqui”, “porque as pessoas são ruins?”, “desanimada”, etc. As afirmações de felicidade não representam um motivo ou causa existencial substantiva, são tão sem conteúdo que logo perdem a convicção. Servem apenas como um meio de tentar maquiar o vazio existencial e a angústia dessas pessoas.
É apenas uma construção social, uma construção bem superficial, diga-se de passagem. Um movimento arquitetado pelo marketing para aprisionar pessoas em uma redoma de alienação. Essa redoma cria o mal, mas também elege o seu antídoto, o consumo, o divertimento pueril, o passatempo estéril, a adoração boba de celebridades. A televisão maquina e sustenta uma geração kid (adoradores de bobagens), os ídolos pop (formados na rapidez de um relâmpago), sem conteúdo e sem noção para realizar bizarrices. Na verdade, a bizarrice é a própria “alma do negócio”. É isso, que maravilhosa definição, vivemos na época onde o burlesco e o sem sentido é idolatrado e elevado à categoria de padrão social, triste fim. É tudo um grande negócio, mas para que se mantenha esse negócio é preciso que se crie uma geração de bestializados pelo consumo de lixo, de pessoas incapazes de criticar os produtos que estão consumindo e os valores que sustentam esses produtos.

Faz parte desse processo a criação de uma “cultura do fácil”, o que seria isso, é um sentimento (outro) onde as pessoas se sentem confortáveis para esperarem que os seus objetivos se realizem sem que os mesmos requeiram muito esforço pessoal para que sejam alcançados. Isso funciona da seguinte forma, por exemplo, a pessoa espera passar no vestibular sem estudar com afinco, mais ou menos como que realizado por um milagre divino. Por isso é que existe tanta gente pedindo a Deus força e misericórdia para aprovações em vestibulares e concursos, bem como esperam uma ajuda extra das divindades para obter sucesso no mundo do trabalho. Com tanta incompetência e preguiça mental, é necessário mesmo que ocorra um dilúvio de bênçãos na vida desse povo.
Isso é real, não duvide. Eu mesmo já lecionei aulas de matemática em uma escola pública, aqui, do Estado do Pernambuco, era notório o baixo nível de conhecimento de todas as salas do ensino médio (1°, 2° e 3° anos), e uma aluna no primeiro ano colegial um dia protestou (quando eu digo protestou, significa que ela gritou alto e grosseiramente) porque não conseguia aprender um conteúdo lecionado por mim durante um mês, progressão aritmética (P.A), como eu já sabia de antemão a causa das deficiências dos alunos (falta de estudo) – esse rendimento se reproduzia por todas as disciplinas, diga-se de passagem -, apenas perguntei se ela havia revisado o assunto em algum momento em sua casa, a aluna respondeu tranquilamente que não. Pasmem, a aluna NUNCA havia disponibilizado tempo para estudar o assunto em sua casa e, mesmo assim, esperava sinceramente aprender o assunto! Ou seja, por alguma forma incompreensível e mágica que eu não compreendia, ela esperava entender um assunto sem dispensar esforço, é ou não é um exemplo inequívoco de maluquice? Não pode existir um exemplo melhor para esse tipo de cultura. Claro que isso é incentivado pelos meios de comunicação e reforçado por um sistema de ensino que aprova indiscriminadamente alunos sem as mínimas condições.
Ninguém quer se concentrar em mais nada, estudar pra quê? se o sistema me aprova? A mídia vende a idéia de que tudo pode ser conseguido sem esforço, é tudo uma questão de dons genéticos e de popularidade. Dar-se início a uma busca desenfreada pela popularidade, com a imitação de gestos, falas e roupas – extravagantes – de qualquer pessoa em evidência. Disseminam-se as modas de grupos excêntricos como, “emos”, “góticos”, “geeks”, “otakus”, etc. Todas siglas sem sentido e vazias por excelência, chamam a atenção apenas pelo jeito estranho de se vestir.
Parece que ser introspectivo e mais racional quanto a apelações baratas, apresentações de mau gosto e ser intolerante quando à superficialidade e a idolatria da besteira viraram pecados capitais. Vira um chato, essa é a palavra. Parece mesmo ter surgido na sociedade uma doutrina de culto a asneira e a cretinice. Um nivelamento da sociedade pelo que ela tem de pior.
É possível formas de ser feliz sem cair na armadilha de construir uma fantasia alegórica em substituição à dura realidade? Claro que sim, para isso é preciso aceitar como natural que na vida os momentos de tristeza e de felicidade se alternam como a noite e o dia. Que isso é ordinário, que não é digno de nota, ninguém precisa (ou merece) saber disso, poupe os “twits” imbecis. Que não é preciso criar motivos inexistentes para afastar os momentos de tristeza e solidão, eles são parte integrante de qualquer existência. Emoções menores não precisam ser destacadas, isso leva à distração e perca de foco. É preciso saber esperar as grandes conquistas, elas são difíceis e demoradas, precisam de empenho e dedicação, enquanto isso, pode-se se concentrar nos pequenos momentos do dia-a-dia, na rotina. Aproveitar para ler mais, ou para trabalhar mais, deixar que com o tempo apareçam as realizações, junto com os verdadeiros sentimentos, que serão sustentados por um profundo conhecimento, fruto da dedicação. Tudo isso providenciará uma felicidade plena e duradoura. Ela vem naturalmente, não precisa declarar.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Ele é o Dick

Paródia com o 'Rapper' Richard Dawkins e os 'backing vocals' PZ Myers, Eugenie Scott, Daniel Dennett, Sam Harris e Christopher Hitchens.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Grande Irmão

Ah, lá vem mais um Big Brother. Mal podíamos esperar para voltar a assistir as peripécias do pererecante Pedro Bial. O intrépido animador e sua trupe nos aguardam com mais um show de banalidades divertidas, baixarias memoráveis e emocionantes paredões.
O assunto já é manjado e comum na pauta de comentaristas e blogueiros (principalmente nas colunas de humor). Mas, lembrando-me do grande Raúl Seixas em música bastante conhecida [1], “eu também resolvi dá uma queixadinha” sobre o assunto, “mesmo não tendo sido o primeiro” a pensar no tema.
Ao se falar de Big Brother, devemos dar crédito ao pai da idéia, não do programa. Acredito que a primazia deve-se a George Orwell ao escrever 1984 [2], ainda não consegui terminar de ler o livro. Escrito em 1949 pelo autor inglês, Erie Arthur Blair, que assumiu o pseudônimo de George Orwell. O livro se transformou em Best Seller da literatura mundial e é um dos grandes exemplos de arte engajada que temos em nossa história.
O autor constrói um romance que serve como metáfora para a denúncia dos sistemas totalitários, como o do socialismo instalado na União Soviética e o do Nazismo na Alemanha. A sua narrativa descreve um mundo dividido entre super potências em permanente disputa, onde a vida de Winston Smith, funcionário de um dos países em guerra, é vigiada a cada instante por uma tela gigante e onipresente (a Teletela). Todos, nesse mundo “irreal”, devem obediência ao Estado, que também é chamado de Big Brother (Grande Irmão). Winston tem sua vida vasculhada 24 horas por dia pelas teletelas, até mesmo seus pensamentos são patrulhados e controlados pelo Estado, através da tortura.
Também aqui no Brasil, passamos por uma realidade não muito diferente da experimentada na ficção por Winston Smith. Um dos principais expedientes da ditadura militar, além das subseqüentes e eficientes aplicações de tortura, era o da permanente vigilância dos meios de comunicação, para ao mesmo tempo em que vedar a veiculação de notícias que denunciassem as atrocidades cometidas pelo sistema, pressionar os conglomerados jornalísticos para distorcer a realidade nacional.
No Brasil, a exploração da comunicação televisiva é feita na forma de concessão pública, nessa modalidade cabe ao governo deliberar nas mãos de quem ficarão os canais de televisão. Durante o regime militar e até a promulgação da constituinte de 1988, essa atividade era desempenhada exclusivamente pelo Presidente da República, período em que se praticou largamente a perseguição e o cancelamento das concessões das emissoras de televisão que tinham linha editorial destoante com as diretrizes dos militares, ao tempo em que essas concessões foram repartidas entre os grupos empresariais pró-militarismo. Assim aconteceu com Roberto Marinho, fundador da Rede Globo de Televisão. Também com Antônio Carlos Magalhães, na Bahia, que recebeu a concessão da rede Bahia de Televisão, como paga por seus inequívocos serviços à causa militar.
A própria Rede Globo, é acusada de jamais, durante toda a vigência do período de exceção, veicular em seus telejornais a palavra *ditadura*. Essa mesma Globo, durante as primeiras eclosões das manifestações populares de apoio ao movimento de diretas já, pressionada a divulgar o movimento em virtude da grande concentração de pessoas na Praça da Sé, maquiou a notícia com a informação de que as pessoas ali reunidas comemoravam o aniversário de 430 anos da cidade de São Paulo.
Por todo esse poder de camuflar a realidade, de esconder os fatos e até de criar novas mentalidades, Roberto Marinho foi retratado em um célebre documentário chamado de Muito além do cidadão Kane [3]. Nesse trabalho, o fundador da rede Globo de televisão é retratado como a versão brasileira (turbinada por esteróides) do magnata das telecomunicações americano William Randolph Heart [4], que foi dono de um conglomerado que englobava 28 jornais, 18 revistas e emissoras de rádio. Esse, por sua vez, era considerado como capaz de mudar toda a mentalidade da sociedade através de suas notícias.
Todo esse poderio caiu como uma luva aos propósitos da ditadura militar. Assim aconteceu durante um longo período, onde políticos dissidentes eram exilados, obrigados a deixar o país com suas famílias, professores de universidades eram cassados e aposentados compulsoriamente, onde faculdades eram invadidas, estudantes eram seqüestrados e mortos (tudo isso sem a veiculação nos canais televisivos) e qualquer cidadão poderia ser preso a qualquer momento sem mandado judicial, apenas por uma simples acusação de conspiração contra o sistema (terrorismo). A acusação poderia ser oriunda de denúncia anônima, e, sabem como era investigada a possível veracidade dessas denúncias? Por tortura.
Mas não estamos em um Estado totalitário, vivemos na democracia, em uma realidade de liberdade e de livre iniciativa, pelo menos aparentemente. O Grande Irmão de hoje não é mais um estado repressor, controlador, tirânico. Estamos em uma sociedade que mantém uma relação de poder para com os indivíduos de uma forma muito mais sutil e complexa, que pertence a uma outra dinâmica social e política, falamos dos meandros espinhosos da antropologia, da cultura. Da cultura de massa.
O grande acesso aos meios de comunicação que se desenvolveu após a década de 70, foi possibilitado pelo desenvolvimento da indústria de produção em massa, que conseguiu fornecer aparelhos eletrodomésticos com preços cada vez mais acessíveis, aliado a uma política econômica de elevação da capacidade de consumo das classes que outrora estiveram apartadas da posse desses aparelhos, produziu uma enorme pressão por uma diversificação na produção cultural e de entretenimento das televisões.
Essa mudança se deveu, em parte, a política adotada pelas empresas de publicidade e redes de TV, que incorporaram a metodologia de produzir eventos televisivos que resumisse as informações as frações menores e mais “palatáveis” aos pensamentos, sem a necessidade de uma maior reflexão. A tônica adotada é a de uma mensagem superficial, de fácil assimilação. Essa é a linguagem mesma do telejornalismo.
Para ilustrar essa imagem, é bem representativo um episódio que envolveu o apresentador do Jornal Nacional e editor chefe de redação, William Bonner. Em dezembro de 2005, a revista Carta Capital [5] veiculou matéria, onde um professor de jornalismo de São Paulo, após visitar com grupo de alunos à redação da Rede Globo, denunciava que Bonner pauta a programação do Jornal de forma a esvaziar os conteúdos mais complexos, ou seja, “enxugar” as informações mais difíceis, tratando tudo com muita superficialidade. Porém, o que é mais revelador, é a justificativa relatada no momento, essas “alterações”, segundo Bonner, se faziam necessárias para que a informação pudesse ser entendida pela maior parte dos telespectadores do telejornal que, seriam do tipo Homer Simpson (o personagem do desenho, ignorante e atabalhoado).
A televisão reina absoluta como única fonte de informação para a maior parte dos brasileiros, àqueles que ainda procuram um mínino de informação, a norma é o deleite com a cultura inútil e desinformativa. Mas, nesses tempos bicudos, quem tem tempo mesmo para algo trabalhoso como a leitura e reflexão? Não é mesmo?! Vivemos no tempo da cultura enlatada, pronta, pasteurizada. Nossas informações precisam ser passadas visualmente, desenhadas. Perdemos a capacidade de concentração para a leitura de textos, não temos tempo. As imagens são alucinantes, tão coloridas, tão cativantes. As figuras cintilam na tela com uma velocidade vertiginosa. Definitivamente, não há tempo para pensar, há quem pense por nós.
Para utilizar a frase de Louis Quesnel, “Os publicitários são os verdadeiros filósofos de um mundo sem filosofia”, recordo de um depoimento de Washington Olivetto, onde o mesmo falava que, no Brasil, dava-se uma importância e um destaque desmedido aos publicitários. Em outro depoimento, Olivetto opina que, o Brasil é, em grande parte, fruto de um projeto midiático, quase que “fabricado” por uma campanha publicitária.
No mundo do passageiro, do transitório, só o que aparece na televisão é digno de atenção. O próprio Pedro Bial se refere aos integrantes “da casa” como os nossos heróis. Sim, os heróis modernos são as celebridades instantâneas, são as personalidades vazias e de boca suja. Hoje, o espelho da garotada é o cantor de pagode ou de rappe e o jogador de futebol, que é milionário e todo ano troca de mulher (quase sempre loira), e de nada adianta se o jogador é íntimo de traficante ou se é matador de mulher, defeitos “menores”. As meninas, podem se basear pela “Tati quebra barraco”, as cachorras do Funck e as mulheres salada de fruta: melancia, mamão, jaca, abacaxi, etc, etc, etc.
Em 1994, Francis Fukuyama decretou o fim da história [6], o que para ele significava um período de ocaso das ideologias, uma época de morte dos grandes ideais de transformação da sociedade. A humanidade tinha tentado e desistido das suas utopias universais e estava agora resignada a realização de interesses menores, a consumação de metas pessoais, não obstante ilusórias, surgia a era do conformismo.
Essa mentalidade é excelentemente retratada em uma passagem de Alberto Dines, “Convicções descartáveis, estilo zapping, começam em um talk show e terminam num shoping. Podem preencher necessidades, até encher vidas, mas não chegam a transbordar para compor uma civilização”. Precisamos realizar uma outra revolução, essa é a da educação, onde cada pessoa seja instrumentalizada para desvendar as “idéias” que estão nos vendendo por detrás do divertimento pueril e bobo. Podemos assistir ao Big Brother, com as suas baixarias e vulgarização do grotesco, mas não podemos perder de vista que nossos verdadeiros “heróis” devem ser o livro e a reflexão.


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[1] Raúl Seixas. “Eu também vou reclamar”. http://letras.terra.com.br/raul-seixas/48311/
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/1984_%28livro%29
[3] Muito além do cidadão Kane. http://pt.wikipedia.org/wiki/Beyond_Citizen_Kane
[4] Cidadão Kane. http://pt.wikipedia.org/wiki/Citizen_Kane
[5] http://www.db.com.br/noticias/?56617
[6] http://pt.wikipedia.org/wiki/Fim_da_hist%C3%B3ria