quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A felicidade não faz sentido

Calma que esse texto não é bem o que o título sugere (na verdade, em certo sentido, ele pode ser até pior), o título está colocado como uma espécie de propaganda agressiva. Bem, existe um “vlogueiro” bastante conhecido chamado Felipe Neto, ele sempre posta uns vídeos na internet fazendo alguma crítica, geralmente ao comportamento dos jovens e das ditas “tribos” juvenis, essas críticas sempre começam com o título de “Não faz sentido”.
Aí achei que poderia utilizar desse tema para também falar sobre alguns comportamentos que com o tempo a gente passa a notar nas pessoas, e que são característicos pela reprodução de alguns padrões. Ok, que padrões seriam esses? Bom, quando a gente começa observar como as pessoas vivem e reagem em diversas situações, corriqueiras ou excepcionais, podemos inferir alguns comportamentos padrões.
Hoje em dia, existe uma grande apologia da mídia que pressiona as pessoas a construírem em volta de si um mundo de fantasia, um clima de artificialidade é construído. Um exemplo disso é o sentimento artificial de felicidade. A criação desse clima envolve as pessoas em uma atmosfera de felicidade fabricada, sem substância. O grande poeta Carlos Drummond de Andrade disse que “Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade”, eu até concordo que a felicidade pode não ter motivos, mas que ela tem que ter causa, ah tem.
O problema é que hoje isso parece não ser mais necessário, se desconhece a causa que mantém as pessoas com esse sentimento de constante ânsia, de necessidade de demonstrar que estão felizes, que as levam a “inventar” motivos que justifiquem um sentimento de felicidade que na realidade inexiste. Os status das redes sociais testificam isso, geralmente estão repletos de declarações de felicidade fingida e os perfis com fotos com rostos de alegria fabricada. As pessoas tiram milhares de fotos de “coraçõezinhos feitos com as mãos”, esses se proliferam na internet feito peste. Também posam para fotos no espelho com sorrisos amarelos forçados, sempre com a mesma pose, ou então sem camisa para mostrar que são fortes e não têm um único neurônio.
Quem afirma que está feliz hoje, parece estar destinado a ser o deprimido de amanhã. Isso acontece, necessariamente, porque não se trata de um verdadeiro sentimento de felicidade. As pessoas oscilam entre a euforia de um dia de sol e palidez de um final de semana chuvoso. Não raro se verifica que os “nicks” que ontem estampavam frases como, “mais um dia feliz”, “pense positivo, Jesus te ama”, “o mundo é bom”, etc. Hoje escrevem, “triste aqui”, “porque as pessoas são ruins?”, “desanimada”, etc. As afirmações de felicidade não representam um motivo ou causa existencial substantiva, são tão sem conteúdo que logo perdem a convicção. Servem apenas como um meio de tentar maquiar o vazio existencial e a angústia dessas pessoas.
É apenas uma construção social, uma construção bem superficial, diga-se de passagem. Um movimento arquitetado pelo marketing para aprisionar pessoas em uma redoma de alienação. Essa redoma cria o mal, mas também elege o seu antídoto, o consumo, o divertimento pueril, o passatempo estéril, a adoração boba de celebridades. A televisão maquina e sustenta uma geração kid (adoradores de bobagens), os ídolos pop (formados na rapidez de um relâmpago), sem conteúdo e sem noção para realizar bizarrices. Na verdade, a bizarrice é a própria “alma do negócio”. É isso, que maravilhosa definição, vivemos na época onde o burlesco e o sem sentido é idolatrado e elevado à categoria de padrão social, triste fim. É tudo um grande negócio, mas para que se mantenha esse negócio é preciso que se crie uma geração de bestializados pelo consumo de lixo, de pessoas incapazes de criticar os produtos que estão consumindo e os valores que sustentam esses produtos.

Faz parte desse processo a criação de uma “cultura do fácil”, o que seria isso, é um sentimento (outro) onde as pessoas se sentem confortáveis para esperarem que os seus objetivos se realizem sem que os mesmos requeiram muito esforço pessoal para que sejam alcançados. Isso funciona da seguinte forma, por exemplo, a pessoa espera passar no vestibular sem estudar com afinco, mais ou menos como que realizado por um milagre divino. Por isso é que existe tanta gente pedindo a Deus força e misericórdia para aprovações em vestibulares e concursos, bem como esperam uma ajuda extra das divindades para obter sucesso no mundo do trabalho. Com tanta incompetência e preguiça mental, é necessário mesmo que ocorra um dilúvio de bênçãos na vida desse povo.
Isso é real, não duvide. Eu mesmo já lecionei aulas de matemática em uma escola pública, aqui, do Estado do Pernambuco, era notório o baixo nível de conhecimento de todas as salas do ensino médio (1°, 2° e 3° anos), e uma aluna no primeiro ano colegial um dia protestou (quando eu digo protestou, significa que ela gritou alto e grosseiramente) porque não conseguia aprender um conteúdo lecionado por mim durante um mês, progressão aritmética (P.A), como eu já sabia de antemão a causa das deficiências dos alunos (falta de estudo) – esse rendimento se reproduzia por todas as disciplinas, diga-se de passagem -, apenas perguntei se ela havia revisado o assunto em algum momento em sua casa, a aluna respondeu tranquilamente que não. Pasmem, a aluna NUNCA havia disponibilizado tempo para estudar o assunto em sua casa e, mesmo assim, esperava sinceramente aprender o assunto! Ou seja, por alguma forma incompreensível e mágica que eu não compreendia, ela esperava entender um assunto sem dispensar esforço, é ou não é um exemplo inequívoco de maluquice? Não pode existir um exemplo melhor para esse tipo de cultura. Claro que isso é incentivado pelos meios de comunicação e reforçado por um sistema de ensino que aprova indiscriminadamente alunos sem as mínimas condições.
Ninguém quer se concentrar em mais nada, estudar pra quê? se o sistema me aprova? A mídia vende a idéia de que tudo pode ser conseguido sem esforço, é tudo uma questão de dons genéticos e de popularidade. Dar-se início a uma busca desenfreada pela popularidade, com a imitação de gestos, falas e roupas – extravagantes – de qualquer pessoa em evidência. Disseminam-se as modas de grupos excêntricos como, “emos”, “góticos”, “geeks”, “otakus”, etc. Todas siglas sem sentido e vazias por excelência, chamam a atenção apenas pelo jeito estranho de se vestir.
Parece que ser introspectivo e mais racional quanto a apelações baratas, apresentações de mau gosto e ser intolerante quando à superficialidade e a idolatria da besteira viraram pecados capitais. Vira um chato, essa é a palavra. Parece mesmo ter surgido na sociedade uma doutrina de culto a asneira e a cretinice. Um nivelamento da sociedade pelo que ela tem de pior.
É possível formas de ser feliz sem cair na armadilha de construir uma fantasia alegórica em substituição à dura realidade? Claro que sim, para isso é preciso aceitar como natural que na vida os momentos de tristeza e de felicidade se alternam como a noite e o dia. Que isso é ordinário, que não é digno de nota, ninguém precisa (ou merece) saber disso, poupe os “twits” imbecis. Que não é preciso criar motivos inexistentes para afastar os momentos de tristeza e solidão, eles são parte integrante de qualquer existência. Emoções menores não precisam ser destacadas, isso leva à distração e perca de foco. É preciso saber esperar as grandes conquistas, elas são difíceis e demoradas, precisam de empenho e dedicação, enquanto isso, pode-se se concentrar nos pequenos momentos do dia-a-dia, na rotina. Aproveitar para ler mais, ou para trabalhar mais, deixar que com o tempo apareçam as realizações, junto com os verdadeiros sentimentos, que serão sustentados por um profundo conhecimento, fruto da dedicação. Tudo isso providenciará uma felicidade plena e duradoura. Ela vem naturalmente, não precisa declarar.