segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

O Grande Irmão

Ah, lá vem mais um Big Brother. Mal podíamos esperar para voltar a assistir as peripécias do pererecante Pedro Bial. O intrépido animador e sua trupe nos aguardam com mais um show de banalidades divertidas, baixarias memoráveis e emocionantes paredões.
O assunto já é manjado e comum na pauta de comentaristas e blogueiros (principalmente nas colunas de humor). Mas, lembrando-me do grande Raúl Seixas em música bastante conhecida [1], “eu também resolvi dá uma queixadinha” sobre o assunto, “mesmo não tendo sido o primeiro” a pensar no tema.
Ao se falar de Big Brother, devemos dar crédito ao pai da idéia, não do programa. Acredito que a primazia deve-se a George Orwell ao escrever 1984 [2], ainda não consegui terminar de ler o livro. Escrito em 1949 pelo autor inglês, Erie Arthur Blair, que assumiu o pseudônimo de George Orwell. O livro se transformou em Best Seller da literatura mundial e é um dos grandes exemplos de arte engajada que temos em nossa história.
O autor constrói um romance que serve como metáfora para a denúncia dos sistemas totalitários, como o do socialismo instalado na União Soviética e o do Nazismo na Alemanha. A sua narrativa descreve um mundo dividido entre super potências em permanente disputa, onde a vida de Winston Smith, funcionário de um dos países em guerra, é vigiada a cada instante por uma tela gigante e onipresente (a Teletela). Todos, nesse mundo “irreal”, devem obediência ao Estado, que também é chamado de Big Brother (Grande Irmão). Winston tem sua vida vasculhada 24 horas por dia pelas teletelas, até mesmo seus pensamentos são patrulhados e controlados pelo Estado, através da tortura.
Também aqui no Brasil, passamos por uma realidade não muito diferente da experimentada na ficção por Winston Smith. Um dos principais expedientes da ditadura militar, além das subseqüentes e eficientes aplicações de tortura, era o da permanente vigilância dos meios de comunicação, para ao mesmo tempo em que vedar a veiculação de notícias que denunciassem as atrocidades cometidas pelo sistema, pressionar os conglomerados jornalísticos para distorcer a realidade nacional.
No Brasil, a exploração da comunicação televisiva é feita na forma de concessão pública, nessa modalidade cabe ao governo deliberar nas mãos de quem ficarão os canais de televisão. Durante o regime militar e até a promulgação da constituinte de 1988, essa atividade era desempenhada exclusivamente pelo Presidente da República, período em que se praticou largamente a perseguição e o cancelamento das concessões das emissoras de televisão que tinham linha editorial destoante com as diretrizes dos militares, ao tempo em que essas concessões foram repartidas entre os grupos empresariais pró-militarismo. Assim aconteceu com Roberto Marinho, fundador da Rede Globo de Televisão. Também com Antônio Carlos Magalhães, na Bahia, que recebeu a concessão da rede Bahia de Televisão, como paga por seus inequívocos serviços à causa militar.
A própria Rede Globo, é acusada de jamais, durante toda a vigência do período de exceção, veicular em seus telejornais a palavra *ditadura*. Essa mesma Globo, durante as primeiras eclosões das manifestações populares de apoio ao movimento de diretas já, pressionada a divulgar o movimento em virtude da grande concentração de pessoas na Praça da Sé, maquiou a notícia com a informação de que as pessoas ali reunidas comemoravam o aniversário de 430 anos da cidade de São Paulo.
Por todo esse poder de camuflar a realidade, de esconder os fatos e até de criar novas mentalidades, Roberto Marinho foi retratado em um célebre documentário chamado de Muito além do cidadão Kane [3]. Nesse trabalho, o fundador da rede Globo de televisão é retratado como a versão brasileira (turbinada por esteróides) do magnata das telecomunicações americano William Randolph Heart [4], que foi dono de um conglomerado que englobava 28 jornais, 18 revistas e emissoras de rádio. Esse, por sua vez, era considerado como capaz de mudar toda a mentalidade da sociedade através de suas notícias.
Todo esse poderio caiu como uma luva aos propósitos da ditadura militar. Assim aconteceu durante um longo período, onde políticos dissidentes eram exilados, obrigados a deixar o país com suas famílias, professores de universidades eram cassados e aposentados compulsoriamente, onde faculdades eram invadidas, estudantes eram seqüestrados e mortos (tudo isso sem a veiculação nos canais televisivos) e qualquer cidadão poderia ser preso a qualquer momento sem mandado judicial, apenas por uma simples acusação de conspiração contra o sistema (terrorismo). A acusação poderia ser oriunda de denúncia anônima, e, sabem como era investigada a possível veracidade dessas denúncias? Por tortura.
Mas não estamos em um Estado totalitário, vivemos na democracia, em uma realidade de liberdade e de livre iniciativa, pelo menos aparentemente. O Grande Irmão de hoje não é mais um estado repressor, controlador, tirânico. Estamos em uma sociedade que mantém uma relação de poder para com os indivíduos de uma forma muito mais sutil e complexa, que pertence a uma outra dinâmica social e política, falamos dos meandros espinhosos da antropologia, da cultura. Da cultura de massa.
O grande acesso aos meios de comunicação que se desenvolveu após a década de 70, foi possibilitado pelo desenvolvimento da indústria de produção em massa, que conseguiu fornecer aparelhos eletrodomésticos com preços cada vez mais acessíveis, aliado a uma política econômica de elevação da capacidade de consumo das classes que outrora estiveram apartadas da posse desses aparelhos, produziu uma enorme pressão por uma diversificação na produção cultural e de entretenimento das televisões.
Essa mudança se deveu, em parte, a política adotada pelas empresas de publicidade e redes de TV, que incorporaram a metodologia de produzir eventos televisivos que resumisse as informações as frações menores e mais “palatáveis” aos pensamentos, sem a necessidade de uma maior reflexão. A tônica adotada é a de uma mensagem superficial, de fácil assimilação. Essa é a linguagem mesma do telejornalismo.
Para ilustrar essa imagem, é bem representativo um episódio que envolveu o apresentador do Jornal Nacional e editor chefe de redação, William Bonner. Em dezembro de 2005, a revista Carta Capital [5] veiculou matéria, onde um professor de jornalismo de São Paulo, após visitar com grupo de alunos à redação da Rede Globo, denunciava que Bonner pauta a programação do Jornal de forma a esvaziar os conteúdos mais complexos, ou seja, “enxugar” as informações mais difíceis, tratando tudo com muita superficialidade. Porém, o que é mais revelador, é a justificativa relatada no momento, essas “alterações”, segundo Bonner, se faziam necessárias para que a informação pudesse ser entendida pela maior parte dos telespectadores do telejornal que, seriam do tipo Homer Simpson (o personagem do desenho, ignorante e atabalhoado).
A televisão reina absoluta como única fonte de informação para a maior parte dos brasileiros, àqueles que ainda procuram um mínino de informação, a norma é o deleite com a cultura inútil e desinformativa. Mas, nesses tempos bicudos, quem tem tempo mesmo para algo trabalhoso como a leitura e reflexão? Não é mesmo?! Vivemos no tempo da cultura enlatada, pronta, pasteurizada. Nossas informações precisam ser passadas visualmente, desenhadas. Perdemos a capacidade de concentração para a leitura de textos, não temos tempo. As imagens são alucinantes, tão coloridas, tão cativantes. As figuras cintilam na tela com uma velocidade vertiginosa. Definitivamente, não há tempo para pensar, há quem pense por nós.
Para utilizar a frase de Louis Quesnel, “Os publicitários são os verdadeiros filósofos de um mundo sem filosofia”, recordo de um depoimento de Washington Olivetto, onde o mesmo falava que, no Brasil, dava-se uma importância e um destaque desmedido aos publicitários. Em outro depoimento, Olivetto opina que, o Brasil é, em grande parte, fruto de um projeto midiático, quase que “fabricado” por uma campanha publicitária.
No mundo do passageiro, do transitório, só o que aparece na televisão é digno de atenção. O próprio Pedro Bial se refere aos integrantes “da casa” como os nossos heróis. Sim, os heróis modernos são as celebridades instantâneas, são as personalidades vazias e de boca suja. Hoje, o espelho da garotada é o cantor de pagode ou de rappe e o jogador de futebol, que é milionário e todo ano troca de mulher (quase sempre loira), e de nada adianta se o jogador é íntimo de traficante ou se é matador de mulher, defeitos “menores”. As meninas, podem se basear pela “Tati quebra barraco”, as cachorras do Funck e as mulheres salada de fruta: melancia, mamão, jaca, abacaxi, etc, etc, etc.
Em 1994, Francis Fukuyama decretou o fim da história [6], o que para ele significava um período de ocaso das ideologias, uma época de morte dos grandes ideais de transformação da sociedade. A humanidade tinha tentado e desistido das suas utopias universais e estava agora resignada a realização de interesses menores, a consumação de metas pessoais, não obstante ilusórias, surgia a era do conformismo.
Essa mentalidade é excelentemente retratada em uma passagem de Alberto Dines, “Convicções descartáveis, estilo zapping, começam em um talk show e terminam num shoping. Podem preencher necessidades, até encher vidas, mas não chegam a transbordar para compor uma civilização”. Precisamos realizar uma outra revolução, essa é a da educação, onde cada pessoa seja instrumentalizada para desvendar as “idéias” que estão nos vendendo por detrás do divertimento pueril e bobo. Podemos assistir ao Big Brother, com as suas baixarias e vulgarização do grotesco, mas não podemos perder de vista que nossos verdadeiros “heróis” devem ser o livro e a reflexão.


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[1] Raúl Seixas. “Eu também vou reclamar”. http://letras.terra.com.br/raul-seixas/48311/
[2] http://pt.wikipedia.org/wiki/1984_%28livro%29
[3] Muito além do cidadão Kane. http://pt.wikipedia.org/wiki/Beyond_Citizen_Kane
[4] Cidadão Kane. http://pt.wikipedia.org/wiki/Citizen_Kane
[5] http://www.db.com.br/noticias/?56617
[6] http://pt.wikipedia.org/wiki/Fim_da_hist%C3%B3ria