quinta-feira, 22 de julho de 2010

O relativismo chique

Roberto Cesar

Desde que o homem adquiriu consciência, a primeira coisa que ele realizou foi uma construção da realidade.
Essa constatação ensejou grandes obras filosóficas que se dedicaram a investigar a capacidade, ou não, da mente em apreender a realidade. Teve início um dos mais frutíferos e inesgotáveis debates da filosofia.
Esse debate remonta a antiguidade clássica, quem nunca ouviu falar sobre o mito da caverna? Onde Platão esboça como podemos nos libertar da condição de escuridão que nos aprisiona, através da luz da verdade. Mas esse texto não pretende ser uma introdução geral ao tema, portanto, passemos logo ao que interessa. Notadamente uma análise do que se convencionou chamar de pós-modernidade ou, pós-modernismo.
Esse movimento talvez prescinda de uma definição formal, porém, para nosso debate, servirá o entendimento que o pós-modernismo é um movimento que congrega uma série de “correntes” mentais que pretendem lançar uma crítica arrasadora sobre o império da racionalidade e da ciência positivista – chamado comumente de logocentrismo.
Algumas dessas correntes, nomeadamente a mais propalada, a que se convencionou chamar de relativismo, assumiram um caráter artificial de elegância e erudição, sendo considerado chique e “antenado” quem usa uma meia dúzia de jargões oriundos do meio físico ou matemático para comunicar concepções enviesadas acerca da ciência e do conhecimento, notadamente que passem a impressão de crítica cultural da ciência como incapaz de traduzir a realidade.
As causas do surgimento desse movimento são nebulosas, a versão mais aceita estabelece que seu aparecimento se deva a uma reação a certo “mal-estar” causado pela modernidade, que é responsabilizada pelo surgimento de alguns dilemas modernos, associado ao que seria uma “ditadura” da razão e da lógica cartesiana, ambas alienantes e asfixiantes da criatividade intelectual, quando não culpadas pelas guerras e a fome no mundo.
A despeito dessas “justificativas”, especula-se que as verdadeiras motivações desse movimento, nada tenham a ver com a busca intelectualmente honesta do conhecimento e o real interesse pela verdade, e sim remontem os terrenos da política e da luta ideológica, visto que, são notadamente os setores alinhados com a “ala esquerdista” da cultura os seus maiores defensores e entusiastas.
Passemos a análise dos desdobramentos conceptuais da aplicação desse “clima” intelectual. A expectativa da verdade é pulverizada, elevando-se ao estatuto de fundamentalista toda e qualquer pretensão de objetividade científica.
As descrições dadas pela ciência são taxadas de “apenas” mais uma versão dos fatos, enquadradas no mesmo nível das descrições religiosas e mitos tribais da realidade.
Observemos esse raciocínio de Roberto Campos [1]:
“Todos nós temos de manter alguma relação com aquilo que podemos chamar de "mundo real". Mesmo um engajado "sociólogo da cultura", por mais enroscado que esteja na "desconstrução pós-moderna", ao apertar o botão da luz espera que a lâmpada acenda, e, ao virar a chave do carro, espera sem sombra de dúvida que as "relativas" leis da física e da química e a matemática em que são formuladas não pararão de funcionar naquele exato momento”.
O eminente biólogo Richard Dawkins [2] acrescenta:
"Há uma filosofia de salão elegante chamada relativismo cultural que afirma, na sua versão radical, que a ciência não tem mais direito em afirmar a verdade do que o mito tribal: a ciência é apenas a mitologia favorecida por nossa tribo ocidental moderna.
Aponte-me um relativista cultural a 10 quilômetros de altitude (dentro de um avião) e lhe mostrarei um hipócrita”.
Os entusiastas dessas ondas da moda, renegam qualquer pretensão a objetividade do conhecimento científico. Argumentam que toda e quaisquer aquisição de conhecimento refere-se apenas a mais um constructo social, estando inevitavelmente limitado e deformado pela percepção, assim seria impossível a concepção de verdade. A realidade seria apenas uma construção de cada sociedade humana, oriunda da historicidade e das nossas limitações culturais, sem um caráter universal.
Essa noção é totalmente falsa, e a natureza está repleta de exemplos que provam o contrário. Se assim o fosse, se para desvendar os fenômenos estivéssemos escravizados à limitação dos nossos sentidos, não detectaríamos todo o espectro eletromagnético. Esse espectro representa todas as ondas de energia eletromagnéticas existentes na natureza, algumas são possíveis de visualização – chamam-se espectro visível – outras não.
Se a verdade está inescapavelmente atrelada a nossa limitação perceptual e a noção que construímos “socialmente” da mesma, sendo que a propriedade para algo ser verdadeiro, é, em última análise, existir objetivamente, os raios X não deveriam existir, já que nosso “aparelho perceptual” não consegue detectá-lo e para essas correntes, não existe realidade independente dos sentidos.
Outro ponto fundamental que torna o “relativismo” ridículo, diz respeito ao seu fundamento ontológico. Talvez devido a uma macaqueação do postulado atribuído a Einstein, segundo a frase “tudo é relativo”. O relativismo se baseia na seguinte “lei”: “tudo é relativo, e só o relativismo é absoluto”.
Os relativistas, se entendessem de física, deveriam saber que “na” teoria da relatividade, que afinal são duas – a da relatividade geral e a da relatividade restrita, postula-se que a velocidade da luz é um fenômeno absoluto, independe de quaisquer observador, logo, nem tudo é relativo!
Esses enganos grosseiros se devem ao uso extravagante de termos e conceitos oriundos das ciências “físico-matemáticas". Esse uso abusivo se dá numa tentativa de revestirem-se do ar de credibilidade emprestados por essas ciências. Uso denunciado como imposturas mentais pela dupla de físicos Alan Sokal e Jean Bricmont [3] nos idos de 1997.
Aqui cabe frisar melhor do que se trata a denúncia supracitada. Alan Sokal, preocupado com a recrudescencia desses paradigmas pseudocientíficos resolveu realizar um experimento de campo, submeteu um artigo a uma revista científica estadunidense conhecida pela sua “filosofia” pós-modernista. O artigo chamava-se: Transgredindo Fronteiras, Rumo a uma Hermenêutica Transformativa da Gravidade Quântica. O artigo, propositadamente, era composto do mais bizarro conteúdo pseudocientífico, e se propunha a verificar o verdadeiro caráter científico desse tipo de revista. O artigo foi aceito prontamente para publicação, o que causou uma série de discussões e constrangimentos mundo afora, inclusive no Brasil – vide folha de São Paulo.
Mas não é só aí que estão redondamente enganados os apologistas pós-modernos, eles também se propõem a subverter as leis da lógica, lei que nem a própria natureza ousa ultrapassar.
Os relativistas, absorvidos por uma sanha delirante de se insurgir contra tudo que se pareça, mesmo que remotamente, com uma lei universal e sequiosos por promover infindáveis “revoluções” no pensamento ocidental, não recuam nem diante do que existe de mais temerário na natureza. A transgressão das leis da lógica.
Como bem afirmou Brian Greene [3] "a natureza faz coisas estranhas. Ela vive perigosamente, mas toma o cuidado de esquivar-se do golpe fatal do paradoxo lógico".
O paradoxo lógico realmente “pode” destruir o universo, este se abstém daquele com prudência. O mesmo não ocorre com os relativistas, estes fundamentam sua “filosofia” em cima de areia movediça. Ignoram o princípio da não-contradição. Esse princípio lógico afirma que a uma substância não é dado ser e não ser algo ao mesmo tempo, é o “maior” princípio lógico de uma sentença.
A lógica é a ciência que em último grau é responsável pela validação de todo argumento coerente. Ela é o juízo e o sensor que diferencia o que é um raciocínio válido do que é uma idiotice sem tamanho.
Analisemos a sentença relativista: “tudo é relativo, e só o relativismo é absoluto”.
Se tudo é relativo, implica que não existe absoluto, e se o relativo é absoluto (pois tudo é relativo), implica que o relativo não existe. Pronto! Provamos por “A mais B” que o relativismo não existe.
Nós avisamos para se ter cuidado com o paradoxo lógico.



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[1] Roberto Campos – Foi Ministro da Fazenda e Economista. In: Folha de São Paulo, 1998.
[2] Richard Dawkins - Eminente Biólogo inglês. In: O rio que saia do Éden.
[3] Alan Sokal e Jean Bricmont – In: Imposturas Intelectuais.
[4] Brian Greene – Astrônomo Estadunidense. In: O tecido do cosmos.

Um comentário:

  1. roberto, vc está completamente certo.quando diz respeito a objetividade das coisas,nao temos q ter uma visão romantica subjetiva. mais sim uma visao realista e objetiva dos fatos. realmente o proprio relativismo e relativo.agora entendi seu ponto de vista na comu. quando vc defendeu.uma posiçao, totalmente objetiva e real sobre a educaçao. parabéns meu caro.

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