terça-feira, 17 de agosto de 2010

Céu e inferno: origens inatas da crença sobrenatural.

Roberto Cesar

Quando somos pequenos, ouvimos várias estórias sobre monstros mitológicos e criaturas fantásticas, talvez, até, sobre pessoas com poderes incríveis, capazes de magias fabulosas, como homens que dominam poderes da natureza, que podem se transformar em outros seres, até mesmo em objetos inanimados, homens, ainda, que são imunes a ferimentos como tiros, facadas, etc. Contos que até bem pouco tempo eram muito freqüentes, principalmente aqui no Nordeste.
O quê? Não acreditam? Ou nunca ouviram falar de coisa parecida? Vejam então essa notícia de veiculada pelo portal G1 em 2009 [1]: “[...] A polícia da Nigéria está com um bode preso por suspeita de tentativa de assalto a mão armada. Como? simples! Vigilantes levaram o bode “criminoso” para a polícia afirmando que ele era um assaltante armado que havia usado magia negra para se transformar em bode para, assim, escapar à prisão pós tentar roubar um carro Mazda 323[...]”.
Muitos de nós, ainda, já presenciamos, ou até mesmo, participamos de seções de curanderia primitiva, onde para sanar qualquer enfermidade, submete-se o acometido a um rito que consiste em rezar sobre o local do ferimento ou doença com o auxílio de um ramo de determinadas plantas (ervas), as quais se atribuem poderes milagrosos.
Esses relatos exercem grande influência sobre o nosso desenvolvimento intelectual e psicológico. É preciso um grande período de tempo até que possamos finalmente nos livrar de sua influência, ou não. É interessante pensar como foi possível a formação dessas concepções, como foi que virtualmente todos os povos, em momentos variados e de diversas formas e variações, criaram esses mitos de representação da realidade.
(Percy Jackson, roubou o raio de Zeus)
Na Grécia antiga, por exemplo, os gregos formularam a criação de um mundo feito a partir da luta de divindades, como descrito na Teogonia de Hesíodo [2], todo o universo teria sido formado a partir do Caos [3], este teria dado origem a Gaia e aos demais deuses olimpianos. Essas divindades teriam criado todos os elementos existentes, como: a água, o fogo, o ar, etc.
Igual similitude podemos perceber nas representações indígenas, onde os astros, como o sol e a lua são representados ora como divindades, ora como pessoas, muitas vezes responsáveis pela manutenção da vida na terra e até pela criação de figuras mitológicas. Vejam como os índios craós [4] descrevem o Sol e a lua: “[...] chamam o herói mítico Pït, o Sol, também de Papam (Nosso Pai) e Deus e, por sua vez chamam o herói mítico Pïdluré, Lua, também de Pedro. Esses heróis, ambos do sexo masculino, são os transformadores de um mundo incriado. O Sol dispõe de certos conhecimentos que esconde de Lua: as ferramentas que abrem e cultivam a roça sozinhas, a palmeira que produzia buriti, o cocar vermelho e brilhante dado pelo pica-pau, a mulher [...]”
Percebemos que, as manifestações de crença sobrenatural independe da sociedade, ou seja, não está condicionado ao processo de socialização. O seu surgimento não depende de uma inculcação anterior. Certamente o processo de socialização ocasionará uma catequização segundo uma ou outra vertente de religiosidade, que é a forma de expressão ritualística pela qual se manifesta a crença sobrenatural, mas jamais condicionará o seu aparecimento.
Nestas circunstâncias, o que determina, então, o surgimento dessas expressões? Existe um campo especializado de estudo que, dentre muitas outras de suas ambições, pretende explicar esses casos, utilizando-se, como paradigma interpretativo, do conhecimento de evolução das espécies. A esse estudo dar-se o nome de psicologia evolucionista.
A psicologia evolucionista tem como referencial a concepção de que o homem também está sujeito as contingências determinadas pela evolução do seu código genético. Essa evolução faz com que ele aja, em determinadas situações, e adotem concepções de vida não alinhadas com o conhecimento adquirido pela experiência, e em desacordo com a análise racional.
A teoria evolutiva determina que, aos organismos vivos interessa na vida apenas duas atividades básicas, quais sejam, viver o maior tempo possível e deixar o maior número de descendentes. Sobre essa questão, o biólogo Richards Dawkins escreveu um livro de grande sucesso chamado de, O gene egoísta [5]. Nesse livro esboça-se como nós, diversas vezes, agimos de forma inconsciente e, muitas vezes, não sabemos o real motivo que determinou o nosso comportamento. Os genes parecem nos comandar e monitorar, parecemos “máquinas guiadas” pelos genes.
Utilizemo-nos, então, do viés evolutivo para investigar as origens da crença sobrenatural, porque, pelo menos ao que se indica, o “modelo padrão” de Ciências Sociais parece ter falhado nesse particular. Pensemos no ambiente primitivo, é necessário entender que o processo evolutivo é muito lento – podemos até dizer – mal comparando - que a evolução de uma espécie, para que seja percebida, pode levar centenas de milhares de anos, sendo assim, percebemos que em termos evolutivos temos um organismo e, principalmente, um cérebro adaptado a um ambiente primitivo. Ou seja, os genes nos condicionam a um comportamento igual ao do homem primitivo, a isso dar-se o nome de princípio da savana.
Lembremos, então, que o nosso aparato evolutivo “age” como se no ambiente primitivo assim estivesse. Mas não esqueçamos a origem da crença sobrenatural. Antes, porém, é indispensável a introdução de um ou dois “detalhes” metafísicos. É sabido que existem duas maneiras distintas de se cometer um equívoco, você pode cometer dois tipos de erros quanto a existência, ou não, de determinado elemento ou objeto. Num primeiro caso, você pode acreditar na existência da coisa, no entanto, está equivocado – o objeto inexiste de fato; em um segundo caso, você NÃO acredita na existência de algo, mas sua existência é verdadeira, outro erro, só que de um tipo diferente, percebe? Nos dois casos houve um engano cometido pelo indivíduo, mas no primeiro o juízo estava errado, só que o objeto NÃO existia (chamado de erro falso-positivo); no segundo caso, o juízo estava errado, só que o objeto existia de fato (chamaremos de erro falso-negativo). Com o entendimento dessas categorias, poderemos finalmente analisar a origem da crença sobrenatural.
Pense que você está em um ambiente primitivo, saberá que está em um ambiente hostil, pois, ainda não detínhamos a fabricação de armas, as técnicas de construção de fortalezas e do conhecimento sobre a natureza. Nesse ambiente o homem primitivo tinha que tomar decisões sobre entidades desconhecidas que, no caso de um julgamento equivocado, poderiam lhe custar a vida, como na observação de Miller e Kanazawa (2007) [6] “Nossos antepassados, quando se deparavam com alguma situação ambígua – como ouvir, à noite, ruídos sussurrantes nas proximidades ou ser atingido na cabeça por uma fruta grande que caiu de uma árvore -, poderiam atribuí-las a forças impessoais, inanimadas e involuntárias (como a força do vento que fez uma fruta madura cair na sua cabeça) ou a forças pessoais e intencionais (a exemplo de um predador ou de um inimigo oculto nos galhos das árvores e que joga frutas nas suas cabeças)”.
Dentre essas duas avaliações qual seria a mais vantajosa? Ou a menos arriscada? No caso de um erro de falso-positivo, quando se supõe a existência da fera que não existe, nossos antepassados não sofreriam dano algum, a não ser o custo de ser tornar um pouco neuróticos, mas no segundo caso, o erro tem um potencial nocivo muito maior. Na ocorrência de um erro de falso-negativo, onde se supõe a NÃO existência do inimigo, por exemplo, quando esse está à espreita, o hominídeo desavisado pagará com a vida, tendo como conseqüência a morte prematura de sua linhagem genética.
O grande matemático e filósofo francês Blaise Pascal (1623 – 1662), que, entre outras coisas, inventou a calculadora, utilizou-se de uma lógica similar para defender a crença em Deus, seu argumento é chamado de Aposta de Pascal. Para o pensador uma vez que não se pode saber com certeza a veracidade, ou falsidade, da existência de Deus, o mais sensato seria acreditá-lo, pois, na ocorrência do erro de falso-positivo o custo seria pequeno, o indivíduo arcaria apenas com algumas obrigações ritualístico-religiosas. Mas, na ocorrência do erro de tipo inverso, o dano poderia ser bem pior, notadamente, uma estadia durante toda a eternidade no inferno.
Assim teria surgido e prosperado a crença sobrenatural. Ela se alimentaria de um auto-engano perpetrado por nossos genes. Genes que estão adaptados as contingências e aos riscos de um ambiente que data de pelo menos 100.000 anos. Os genes que propiciavam a seus portadores inclinação natural à reverencia do sobrenatural tinham uma probabilidade muito maior de manter-se longe de situações potencialmente perigosas ao risco de morte, possibilitando assim, uma vantagem evolutiva. Ou seja, eles sobreviveram!



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[1]http://g1.globo.com/Noticias/PlanetaBizarro/0,MUL974501-6091,00-bode+e+preso+acusado+de+tentar+roubar+carro+na+nigeria.html
[2] Teogonia de Hesíodo – Poema épico do poeta grego Hesíodo.
[3] Caos – Deus da mitologia grega, gerador de todo o universo.
[4] Índios Craós - São índios habitantes do território denominado kraholândia: área que compreende as fronteiras entre os estados do Maranhão, Piauí e Tocantins.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Craós
[5] DAWKINS, Richard. O gene egoísta. SP. Companhia das Letras, 2007.
[6] MILLER, Allan S.; KANAZAWA, Satore. Por que homens jogam e mulheres compram sapatos: como a evolução molda o nosso comportamento. RJ. Prestígio, 2007.

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