segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Roleta cósmica.

Roberto Cesar

Já foi dito uma vez que, cada nova geração tem a sensação que o período de sua existência é o mais decisivo para a história da humanidade. Concordo inteiramente com essa afirmativa, e, do meu lado, faço questão de afirmar e expor os motivos do meu contentamento com o atual estágio do desenvolvimento da civilização.
Pra mim, viver no século XXI é extremamente empolgante, refletir sobre o quanto de avanço fizemos, o número de descobertas, a quantidade de conhecimento legada pelas gerações anteriores, e, principalmente, o uso que podemos fazer de tudo isso, me deixa realmente motivado, acho que nisto compartilho do sentimento de Carl Sagan [1]. Do século XVI para cá, conseguimos dobrar a expectativa média de vida da humanidade, isso devido, dentre outros fatores, ao desenvolvimento e avanço dos sistemas de saneamento básico e da invenção e uso de medicamentos, como as vacinas e os antibióticos. No campo da tecnologia, a humanidade conseguiu mandar o primeiro homem à lua, criar os computadores pessoais com processadores de textos à prova de erros de digitação e colocar um telescópio fora da atmosfera terrestre, que possibilitou a confirmação de inúmeras hipóteses científicas sobre o universo. A despeito da degradação ambiental, da pobreza e dos conflitos étnico-religiosos, temos o conhecimento de que precisamos para tomar uma decisão racional sobre o nosso futuro, o que precisamos é de pressão popular e vontade política para realizar as mudanças necessárias em prol do bem-estar humano. A ciência fez a sua parte.
Não obstante todo o progresso e maior conhecimento da natureza, surgem uma série numerosa de novas áreas de investigação e campos científicos para serem desbravados. E isso é bom, indica que os cientistas ainda terão seus empregos garantidos por muito tempo. Um desses grandes campos é o estudo da origem e propriedade do universo.
Talvez uma das teorias científicas mais bem conhecida, e das mais sólidas, seja a teoria do Big Bang. Essa teoria foi comprovada pelo astrônomo Edwin Hubble [2] (o que deu nome ao telescópio), e assinala que as galáxias estão todas se distanciando umas das outras e em velocidades crescentes. Essa descoberta torna possível até mesmo a determinação da velocidade em que essas galáxias estão se distanciando, isso é possível graças a uma ciência chamada de espectroscopia, que analisa a variação de luz emitida pelos corpos materiais.
Como sabemos que algo está se afastando de nós? Podemos usar a análise sonora, quando um carro que som está se aproximando de nós ouvimos um som grave, e quando ele vai se distanciando, ouvimos o som de forma diferente, um som agudo, isso tem o nome de efeito Doppler. Para as galáxias funciona da mesma forma, só que não ouvimos as galáxias, analisamos suas ondas de luz, que se comportam de forma equivalente as ondas sonoras. Quanto uma galáxia se afasta de nós, a cor da sua luz emitida (analisada por aparelhos) vai ficando cada vez mais avermelhada, assim consegui-se identificar o seu afastamento.
Com base nessas medições, pôde-se chegar a uma idade aproximada do universo, pois, se as galáxias estão todas se afastando umas das outras, implica que um dia estiveram unidas, juntas, e suas velocidade podem ser estimadas e podemos saber quando isso ocorreu. Esse cálculo estima em pelo menos 13,7 [3] bilhões de anos a idade do nosso universo e tudo o que existe nele.
(Expansão. Não explosão!)
 Então, nos encontramos aqui, logo após a grande *expansão*, para se usar o termo correto, temos a criação das leis da física e da matemática que governam as partículas e toda a natureza, o próprio tempo é criado nesse instante. Não se sabe o que existia antes disso. Talvez tudo tenha começado a partir desse momento, ou, talvez, tudo sempre tenha existido, só que de um modo diferente, pois que temos um evento totalmente singular dando origem ao nosso universo. Nesse ponto, nem o próprio tempo existia, não havia a contagem do tempo. Esse momento de criação da matéria e de suas leis, também é chamado de *singularidade* [4], as leis do nosso universo não são aplicáveis a esse momento.
Esta constatação abriu um grande vácuo no nosso conhecimento, e deixa um enorme campo para indagações, podemos nos perguntar quem somos? Qual é a propriedade do universo? O que é a vida? Podemos aproveitar esse estado de “nova consciência” para nos localizarmos enquanto seres humanos. Nesse contexto, o astrônomo Carl Sagan destaca o inigualável poder de conscientização gerado pelo conhecimento científico, e faz um incrível exercício de reflexão sobre a espécie humana ao nos localizar em um calendário hipotético, esse exercício chama-se calendário cósmico e serve para nos revelar qual a real importância da nossa “criação”, e qual o valor relativo do ser humano em termos universais.
Sagan compara a história do universo a metáfora de um ano cósmico, sendo o primeiro dia do ano (1° de janeiro) coincidente com a grande expansão do nosso universo, nessa escala cada mês corresponderá a, aproximadamente, 1 Bilhão de anos [idade do universo (13,7 bilhões) dividido por 12 meses]. O planeta terra (com idade aproximada de 4,5 bilhões de anos – com estimativas oriundas de cálculos com base no decaimento radioativo dos elementos químicos existentes nas rochas) só teria se formado passados 2/3 do ano cósmico, isto é, na metade mês de setembro! Ou seja, a criação do nosso sistema solar, e com ele o nosso planeta, só se deu passados mais da metade da história do universo. Está curioso para saber qual seria a data do aparecimento da vida humana no cenário universal? Poupemo-nos dos “detalhes sórdidos” sobre a história da origem dos primeiros organismos replicadores, dos primeiros seres vivos, do surgimento dos répteis, das plantas e até dos insetos, todos esses nos antecedem na habitação do planeta terra. A vida humana (consideraremos para o caso o surgimento do homo sapiens sapiens [5], que data de, aproximadamente, 200 mil anos), nesse caso, a chegada do ser humano ao universo só aconteceria na noite de 31 de dezembro (último dia do nosso ano cósmico), por volta das 23 horas e 50 minutos!! Incrível!!
Não sei quanto a vocês, mas estou achando que não houve lá muito propósito ou senso de urgência no aparecimento humano na terra não, e você? Que acha? Tudo que nós vivemos e registramos até hoje, incluindo-se aí as pinturas rupestres, estão inseridos apenas nos últimos 10 minutos finais da história do universo vivida até nossos dias. Realmente desnorteador, não é? Parece que o “universo” não estava lá muito preocupado com a nossa possível existência não.
Podemos ir mais fundo ainda, se somos tão pequeninos no universo, será que existem outros povos, outras formas de vida em lugares distantes, será, ainda, que a nossa existência é real? Como saber se é real, se, ao que tudo indica, a vida se formou da matéria inorgânica de uma “sopa de proteínas”? Sabe-se que tudo que existe é formado dos mesmos elementos constitutivos, átomos de carbono, ferro, oxigênio, hidrogênio, hélio, sódio, etc. Todos formados no interior de estrelas “ferventes”. Tudo que existe é fruto dos mesmos elementos químicos, prótons, elétrons e nêutrons (para ficar só no básico) assumem configurações diversas para formar tudo que há no universo.
Dessa forma, fica difícil até definir o que seja a mente humana. Se tudo o que “mentalizamos” são reações, impulsos elétricos (elétrons em movimento) desencadeados entre os neurônios (células cerebrais), que, fundamentalmente, são “apenas” reações químicas disparadas no nosso cérebro. Todo esse processo, por sua vez, é oriundo dos estímulos sensoriais advindos do meio ambiente na forma de luz, calor, frio, dor, etc. Que também são interpretados através de impulsos elétricos.
(Neo, rodando um algoritmo para congelar o tempo.)
Portanto, o que percebemos através da nossa mente, pode não corresponder ao real. Vez que entre o processo de recepção dos sinais, transformação em impulsos elétricos, e análise da informação, pode-se perder informações, ou, até mesmo, ter todo esse acervo de sinais adulterado. Sim, pode acontecer, por que não? A acupuntura é uma técnica que consiste exatamente em “criar” uma nova realidade ao cérebro; o seu princípio baseia-se na instalação de agulhas em pontos pré-identificados do corpo de forma a broquear os sinais elétricos que levam a informação da dor ao cérebro, sem essa “informação” a dor simplesmente “some”.
Tudo que nosso cérebro conhece da realidade, é percebido não diretamente, mas por meio de impulsos elétricos. Todo esse acervo de informação pode ser manipulado, não se pode ter garantias. Nesse cenário de realidade virtual e ficção científica, criações como a do filme Matrix tornam-se cada vez mais próximas da realidade. Poderíamos, realmente, viver em uma Matrix sem nunca se dar conta, eternamente escravizados pelos nossos sentidos.
Mas o número de esquisitices que são suscitadas pela evolução do conhecimento da estrutura da matéria ainda não terminou. A pesquisa e o questionamento sobre o que vem antes e depois do Big Bang, levou cientistas a hipóteses mais exóticas e extravagantes.
Uma delas diz, que se a massa existente no universo for maior que um dado valor crítico, toda essa massa (o universo todo) se desmoronará sob a ação da força de sua própria gravidade. O universo se curvará para dentro de si mesmo, até se condensar em um ínfimo ponto com densidade infinita, contendo toda a sua matéria, o universo terá fim em uma nova singularidade. Esse evento tem até um nome, é chamado de Big Crunch [6].
Essa hipótese abre uma “brecha” para um processo cíclico de geração do universo. O universo poderia alternar eventos de criação e extinção, dando corpo a um sistema eterno. No Big Crunch, novamente, todas as leis da física seriam anuladas, e seriam embaralhadas. O mundo físico é permeado de constantes fundamentais, temos a velocidade da luz, que tem um valor padrão de 300.000 km/s, velocidade que nenhum corpo macroscópico dentro do universo pode igualar; temos um valor constante para a capacidade de radiação eletromagnética; cada elemento químico (independente da sua localização no universo) apresenta valores característicos para o seu decaimento radioativo. Tudo isso é válido para o nosso universo. Na singularidade, esses valores são embaralhados, são aniquilados, o próprio tempo passa a não existir.
Em um próximo ciclo de “criação” do universo, é possível que essas constantes venham “sintonizadas” com valores totalmente diferentes dos agora vigentes. Seria como se a cada novo ciclo, uma roleta cósmica fosse girada para sortear os novos valores vigentes no próximo sistema (universo). Esses ciclos de eterna criação e extinção de universos gerariam realidades potencialmente tão distintas, que o aparecimento humano estaria definitivamente fora de questão.

Na chamada física de partículas [7], ou física quântica (onde o espaço é medido na ordem de milésimos de milímetros), determina-se que cada partícula (partes do átomo – elétron, nêutron ou próton) pode ocupar livremente os infinitos pontos do universo, até o instante em que possa ser localizado (medido, identificado) em determinado lugar, em determinada posição, e fazendo parte da matéria de um corpo. Isso é chamado de “problema da medida”.
No universo macroscópico os objetos obedecem a uma física inflexível – pelo menos aparentemente, se sabemos a posição inicial, a direção, sentido e velocidade de partida, podemos calcular os próximos passos do objeto. Na física quântica isso não ocorre, não se pode prevê o exato comportamento de um elétron, se sabemos sua velocidade, não podemos informar com precisão a sua posição, e vice-versa. Poderemos ter apenas uma nuvem de possíveis locais, probabilidades de onde a partícula se encontra. Dessa forma, a informação que recebemos da matéria é apenas uma dentre infinitas possíveis.
Na prática, essa hipótese equivale a dizer que, além do universo que percebemos nesse exato momento, existem infinitos universos coexistindo paralelamente ao nosso universo habitado. Não podemos observar esses outros universos, estamos “presos” a essa realidade, onde a luz “congela” e identifica as partículas (o problema da medida), mas eles estão lá. Você pode está comendo biscoito ou rosquinha neste universo, e numa boate de dança streep tease em outro, infinitas as possibilidades.
Por essa teoria seriam possíveis aventuras como as de Marty McFly, do filme “De volta para o futuro”. Se existem infinitos universos, podem existir universos onde a configuração do espaço-tempo permita que os objetos macroscópicos desenvolvam velocidades superiores a velocidade da luz, coisa que é proibida no nosso universo pela teoria da relatividade geral de Einstein (E=mc²). Assim, máquinas do tempo poderiam transitar livremente entre as dimensões temporais.
Relatividade e física quântica, essas são as duas teorias modeladoras da visão moderna sobre o universo. Uma trata do imensamente grande e a outra do incrivelmente pequeno, protagonizaram um dos maiores debates no meio científico e transformaram radicalmente o que se sabia sobre a matéria e suas relações fundamentais. Albert Einstein disse que Deus não jogava dados, o astrofísico Stephen Hawking [8], acha que, ao que tudo indica, Deus era um grande jogador. Façam suas apostas!





_____________________________________________________
[1] Carl Sagan. Astrônomo estadunidense. http://pt.wikipedia.org/wiki/Carl_Sagan
[2]Edwin Hubble, Astrônomo estadunidense. http://pt.wikipedia.org/wiki/Edwin_Powell_Hubble
[3] http://pt.wikipedia.org/wiki/Idade_do_universo
[4] http://pt.wikipedia.org/wiki/Singularidade_gravitacional
[5] http://pt.wikipedia.org/wiki/Homo_sapiens
[6] http://pt.wikipedia.org/wiki/Big_Crunch
[7] http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%ADsica_de_part%C3%ADculas
[8] Stephen Hawking – Professor de cosmologia em Cambridge (E.U.A), em O universo numa casca de noz.

Nenhum comentário:

Postar um comentário